terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sobre o que chamo de vida.

Auto-definição? Não.
Deixo bem claro que as palavras que escrevo a seguir relatam apenas a história de um garoto simples, de uma cidade pequena do alastrado interior. Esse que se confronta com seu próprio eu. Falarei sobre ele, usurpando-me:

Tarde quente de verão. Estava em minha casa debruçado sobre a mesa e vagando por pensamentos longínquos que não acho necessário citar. Eram apenas pensamentos.
Acompanhado de uma amiga, entre uma bocejada e outra, trocávamos risadas e conselhos. Uma tarde como qualquer outra, logo após um dia cansativo e satisfatório de trabalho. Sim. Trabalho é algo que me satisfaz. A mim, sim.
Olhando em minha volta era inevitável observar que algo estava ausente naquela tarde. Não me atrevo a dizer o que era, mas sabia que não estava lá. Estava tão perfeita! Como é possível sentir falta de algo quando se tem a calmaria dos assovios dos pássaros e a alegria das crianças na rua, correndo para lá e para cá?
Me concentrei. O que poderia estar faltando? Apenas me concentrei, afim de solucionar o mistério que me incomodava. Somente pelo fato de, de repente, não existir.
Com impacto fulminante, veio a mim a imagem de um garoto. Seu rosto não demonstrava muita felicidade, mas sorria a cada passo dado. Longos passos estreitos. Me lembrou um conhecido do passado que a memória não apagou mas já não o via a anos. Foi-se aventurar na capital, tentar algo que considerava melhor para sua vida. O que pude encarar de frente foi seu olhar castanho. Transparente e brilhante ao ponto de deixar arregalado mesmo aquilo que se tentasse encobrir. Causou-me certa estranheza alguém do passado ter me invadido assim, de repente. Era tão real que não estaria mentindo se dissesse que seria capaz de tocá-lo com a ponta dos dedos.
Tentando voltar a mim, senti uma incrível sensação de leveza que veio acompanhada de um cheiro agradável de paz. Não me recordava de tal aroma, mas creio que já o havia sentido. Perfume suave, ao mesmo tempo intenso, sagaz, único! Aquele cheiro! Sim! Eu o reconhecia! O cheiro que também estava impregnado em mim. Como pude imaginar esquecê-lo?
Como mágica, por uma brisa leve que havia entrado pela fresta da janela entreaberta, se desfez no ar, vagarosamente. Seria aquele aroma enraizado o que estaria faltando? Não. Não apenas o cheiro. Faltava algo mais.
E os pensamentos não paravam de brotar. Dessa vez, me veio o retrato que ficara exposto sobre a mesa de canto da sala por tempo mais que suficiente para que, numa passagem voraz de inquietação, num ato de total desespero, descontasse sobre a imagem empoeirada toda a revolta que o maldito passado não me deixava esquecer. Havia o jogado no lixo naquela mesma manhã, logo quando acordei.
Nesse mesmo momento, uma vontade galopante, incontrolável de chorar me dominou, lavando cada um dos poros do meu corpo que, involuntariamente, se contorcia. A audácia do choro foi capaz de absorver e dissolver tudo aquilo que com palavras é ousadia demais tentar descrever. Dei-me conta de que não adiantava apenas me desfazer do passado que carregava, pois todas as lembranças sempre estariam ali, em cada manifestação, enraizadas em mim. Apenas o tempo poderia me assegurar da certeza de que tudo se foi para nunca mais voltar. Estava cansado. Cansado de lutar pelo irremediável. Era mais forte do que eu. Sempre tinha sido. Era tarde demais.
Recolhi o retrato da lixeira e o coloquei exatamente onde sempre esteve. Me permiti em devolver ao ambiente o aroma que havia sentido e mais uma vez me recordei do rosto de olhos expressivos que me fizeram chegar a uma única conclusão: me dei por conta de que o que faltava, apenas, era um passado não tão distante assim. De mim.

Um comentário:

  1. Oi Doug!
    Achei muito interessante seu texto, vc tem um estilo bem narrativo/descritivo!
    vou te seguir e continue me mandando o link quando atualizar, ;)

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